sexta-feira, 28 de setembro de 2007

O BALÃO E A ILUSÃO

Comprei-te dois balões naquele dia,
um era azul, o outro era encarnado
e neles pus a minha fantasia
e a esperança de te ver encantado.
***
Era um dia igual a outro dia,
para mim sem qualquer novidade,
derretendo apenas a melancolia
nos balões azul e encarnado.
***
Dei-tos mas tu não os quiseste,
prendi-os com um cordel ao teu carrinho
e tu sacudiste-os e aborreceste.
***
Tinhas então dez meses meu filhinho
não podias ainda entender
a ilusão de um simples balãozinho.

terça-feira, 25 de setembro de 2007

LIBERTAÇÃO

Vou partir, para algures, aonde a chuva não cai.
Vou enterrar o amor que tive a não sei quem.
Hei-de sentir o peito arfar na correria
e hei-de voltar a ser quem fui
e a ir além.

sábado, 22 de setembro de 2007

O PRIMEIRO DIA DA MENDIGA

Dedico este poema a uma senhora que conheci rica e que, exactamente há dois dias, se me dirigiu, na rua, para me pedir dinheiro para aviar uma receita médica. Disse-me que tinha a casa à venda e que estava numa situação tão desesperada que decidiu estender a mão à caridade. Enquanto me contava as lágrimas não paravam de cair.
A esmola é muito pouco para uma situação destas. Deixo-lhe este poema para que outros o leiam e se questionem sobre o que está a acontecer neste Portugal profundo.

***

Passou por mim, pela primeira vez mendiga,

ela que outrora ordenava e foi rainha.

Passou por mim, e estava tão sozinha,

nos hábitos que acusavam a fadiga.

***

Por umas moedas, de lágrimas consumida,

ela estende a mão pela primeira vez na vida

e também eu, pela primeira vez, ao dar esmola

me senti igual a ela tão mendiga.

sexta-feira, 21 de setembro de 2007

UM MUNDO ALGURES

Dói-me a solidão em que respiro
nestas horas mordidas uma a uma.
Órfã de ti com o silêncio busco
na areia, nos saibros e na bruma.
***
Loucura? Ilusão? Ou coisa nenhuma...
Um mundo que outro tempo, algures,
segurei inteiro em minha mão.

quinta-feira, 20 de setembro de 2007

É TEU IRMÃO

É teu irmão, pela condição,
esse que morre de fome
enquanto tu fazes dieta
para emagrecer.
***
É teu irmão
na contradição
dessa duas diferentes formas
de morrer.

segunda-feira, 17 de setembro de 2007

AO MENINO MENDIGO

Quando te encontro nestas ruas usadas
com essas mãos que já não são tuas
estendidas para outras mãos deterioradas
que sujam de moedas
a beleza das luas,
eu acho que nunca ninguém disse o que bastasse.
Não, nunca ninguém disse o que bastasse
nunca ninguém deu o que servisse
nunca ninguém lutou que saciasse
a sede de uma justiça que cumprisse.
Nunca ninguém amou que resistisse!...

sexta-feira, 14 de setembro de 2007

PEDRA DE RAÍZES

No jardim de ninguém a erva cresce.
Não há foices, nem fomes, nem fadigas
nem esperança que renasça.
Era a paz que eu queria
e fujo.
Não me encontro
nem há
quem me procure.
Meu amor, meu mundo, meu silêncio
essa pedra de raízes
me tornaste.

sábado, 8 de setembro de 2007

A MAIS

Hoje andei perdida pelas ruas

cansada de ser viva e querer viver

e nesta dimensão enorme do meu ser

era apenas, a mais,

outra pessoa.

LIMITE

A noite é o algoz do poeta enganado
nessa vital razão de ser poeta.
A noite é tempo e tempo é linha recta
num espaço de curvas tracejado.
-
A noite é o descanso condenado
pela vigília e pelo raiar da aurora
que traz à mente de quem ri ou chora
um campo de lutas limitado.
-
A noite sou eu dos dias já cansada
a pensar que outra é a madrugada
deste escuro que arrasto e me tortura.
-
A noite é a verdade sem remédio
em que bebo lentamente a desventura
desta revolta a diluir-se em tédio.

LIBERTA-TE AMIGO

Liberta-te, amigo, parte esses grilhões
e vai cantando pelas madrugadas.
Rasga os dogmas, rasga as convenções
o céu não tem limites, o sonho não corrompe.
Dizem que és louco? Sorri
não te deixes levar por compaixões
os que te lamentam são aqueles
que mais cedo te esquecem..
Não permitas que as pedras te anoiteçam
entre a manhã e a noite existe a tarde
e a tarde, amigo, só pertence ao tempo.
Os que te acusam são os mesmos
que invejam a tua liberdade.
Sê quem és sem nada destruires
as cidades são o mundo dos homens
o paraíso o refúgio dos loucos.
Vive e deixa viver
tempo perdido não regressa.
Podes dar vida aos outros mas não tempo
por isso, amigo, os dias se sucedem.