quinta-feira, 16 de agosto de 2007

MENSAGEM DO CUCO

Não há nada de nobre em sermos superiores ao próximo. A verdadeira nobreza consiste em sermos superiores ao que éramos antes.
(Autor desconhecido)

UM DIA DIFERENTE

É este dia vazio, sem nada, em que quis escrever e não fui capaz.

quarta-feira, 15 de agosto de 2007

SÓ NAQUELE INSTANTE

Ambos sabiam que não voltariam a ver-se. No aeroporto de Frankfurt ele segurava-lhe a bagagem, na fila de despacho, com uma solicitude comovente. E indagava sobre pequenos pormenores que demonstravam uma preocupação acrescida. Chegou mesmo a lembrar-lhe que fizera mal em pôr na bagagem um pullôver de malha que talvez lhe fizésse falta na chegada a Lisboa que seria já noite.
Nenhum mencionava o momento, ou os momentos, que viriam a seguir. Quando fez o check-in, depois de um beijo e um abraço muito apertado, esperou em vão que ele se afastasse. Porém ele continuava colado ao vidro do portão por onde ela passara. E ela amou-o profundamente naquele instante. De uma forma total e avassaladora como não tinha memória. E ele esperava o sinal que não veio. Porque ela sabia também que aquele amor profundo e absoluto era apenas obra daquele instante. E só daquele instante. Quando o avião descolou ainda procurou, nos pontos pequeninos, algo que o indentificasse. E sentiu um vazio enorme ao não descobrir o que quer que fosse. Porém, quando quatro horas e meia mais tarde era anunciada a aterragem em Lisboa e ela pôde avistar, entre as luzes da noite, o Tejo e a ponte Vasco da Gama, sentiu-se completamente em casa. Mas sentiu também que , naqueles breves dois meses em que estivera fora, se tinham passado vários anos.

NÃO ME BATA!

O dia tinha amanhecido cinzento com uma neblina cerrada que molhava as ruas e as deixava lamacentas e pegajosas. Igual ao dia era o meu estado de espírito naquela manhã. Acordei mal-disposta e não atinava com nada do que fazia. Para ajuda o carro não pegou e o comboio vinha atrasado. E logo naquele dia em que tinha que preparar uma série de relatórios e tinha uma das empregadas doente!...
Foi então que o vi pela primeira vez. Chamava-se Mussaggi e teria, talvez, uns cinco anos. Os seus cabelos eram pura carapinha e tinha uns lindos olhos pretos magoados. Quando o vi estatelar-se no chão molhado corri para o levantar e foi então que reparei que ele estava sozinho. Fugindo, evidentemente. Olhou para mim com olhos suplicantes e disse aflito: "não me bata!" Recebi esta frase como um soco e olhei-o com mágoa. Estava tão habituado a ser maltratado que não admitia um gesto diferente. Vi-lhe o joelho a sangrar e o coração apertou-se-me ainda mais.
Levei-o comigo até um café onde tomámos tranquilamente o pequeno almoço. As minhas preocupações de início de dia ficaram para trás e durante uns bons momentos conversámos e rimos como bons amigos.

PÁSSARO DO DESERTO

Pássaro do deserto, como hoje é tarde
e é cedo também nos dias sem tempo.
Pássaro do deserto, como estou sozinha
cansada e viva, rodeada de gente.
Pássaro do deserto, tão perto não viste
meus olhos sorrindo cheios de tormento.
E assim desfolhámos as rosas
demos de comer ao vento.
Pássaro do deserto voando...inutilmente.

quinta-feira, 2 de agosto de 2007

A LIÇÃO DO SEM-ABRIGO

Encontrei-o numa manhã, dessas manhãs em que andamos apressados e indiferentes a tudo o que nos rodeia. Acordamos cansados e, mecanicamente, vamos cumprindo todos os rituais que nos levam de casa ao trabalho. Era um dia cinzento e baço e eu tinha pressa, muita pressa, porque já estava atrasada. Na praça da Figueira o homem pediu-me uma esmola que eu neguei, por comodismo, para não ter que procurar a carteira na mala. O homem seguiu-me até ao café da esquina onde fui tomar a "bica" indispensável ao meu início de dia. E olhava para mim com ar insistente. Não dizia nada. Só olhava. Com um leve arripio de desconfiança cheguei mais a mim a mala de tiracolo. Este meu gesto não passou despercebido ao sem-abrigo que murmurou:"Escusa de segurar a mala. Pedi-lhe uma esmola mas não sou um ladrão".
Caí em mim e aprendi a lição. Passaram-se muitos anos mas não a esqueci.

CÁLICE

Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue
Como beber dessa bebida amarga
Tragar a dor, engolir a labuta
Mesmo calada a boca, resta o peito
Silêncio na cidade não se escuta.
De que me vale ser filho da santa
Melhor seria ser filho da puta
Outra realidade menos morta
Tanta mentira, tanta força bruta.
Como é difícil acordar calado
Se na calada da noite eu me dano
Quero lançar um grito desumano
Que é uma maneira de ser escutado.
Esse silêncio todo me atordoa
Atordoado, eu permaneço atento
Na arquibancada p´ra qualquer momento
Ver emergir o monstro da lagoa.
De muito gorda a porca já não anda
De muito usada a faca já não corta
Como é difícil, pai, abrir a porta
Essa palavra presa na garganta
Esse pileque homérico no mundo.
De que adianta ter boa vontade
Mesmo calado o peito, resta a cuca
Dos bêbados do centro da cidade.
Talvez o mundo não seja pequeno
Nem seja a vida um facto consumado
Quero inventar o meu próprio pecado
Quero morrer do meu próprio veneno.
Quero perder de vez tua cabeça
Minha cabeça perder teu juízo
Quero cheirar fumaça de óleo diesel
Me embriagar até que alguém me esqueça.
Gilberto Gil-Chico Buarque

quarta-feira, 1 de agosto de 2007

O ELOGIO FÁCIL

O elogio na presença
a meu ver diz pouco ou nada
pode até ser uma ofensa
p´ra pessoa elogiada
António Aleixo