
Quando nos casamos não sabemos exactamente com o que é que nos casamos. Só quando nos divorciamos é que nos apercebemos com quantos elementos estávamos casados.
Foi o que me aconteceu quando, após 17 anos de casamento, decidi separar-me. Não pude nem quis esconder ao meu marido que amava outro homem. A separação foi muito mais dolorosa do que alguma vez tinha imaginado. Foi um cortar sem fim de laços e afectos cimentados ao longo de toda uma vida. Foi como se eu me despisse de tudo e deixasse de ser eu para voltar a amar.
Entre tudo o que tinha que largar, a minha sogra era o que mais me doía. Sim porque eu amava profundamente aquela barranquenha rústica que passou fome e trabalhou de sol a sol e que, aparentemente, nada tinha a ver com comigo. Eu vim de um mundo diferente mais sofisticado e frio, onde pessoas como ela não tinham lugar.
Quando me casei ela não estava presente e, quando chegou a hora do filho me levar a conhecer a família, Ti Rosa (nome fictício) deixou de ter sossego. Como é que naquela casa ela ia receber uma pessoa tão diferente dela? Uma casa onde o marido fazia passar o burro por dentro para o pôr no quintal? Ti Rosa perguntava ao marido e às duas filhas o que é que devia fazer e dizer quando me visse. Mas todos os discursos preparados foram desnecessários, como inútil foi tanto nervosismo. A aceitação foi mútua e eu senti que tinha ali uma família rica de afectos. Passado pouco tempo, e com grande pasmo da gente da terra, a nora da Ti Rosa até andava de burro e ia à azeitona em férias ou fins de semana. Aos poucos todos se foram habituando a mim e a ter para comigo manifestações de amizade.
Com o divórcio nunca mais lá voltei. Pouco tempo depois o meu ex-sogro teve uma trombose que o levou à sepultura em menos de um ano. Contou-me o meu "ex" que o pai perguntava sempre por mim mesmo quando já não reconhecia ninguém.
Não me senti com coragem para ir ao funeral. Mandei um telegrama embora admitindo sempre que o mesmo não seria bem aceite.
Passados 3 meses atendi um telefonema da minha ex-sogra a agradecer o telegrama e a pedir-me desculpa de não me ter ligado mais cedo. E depois disse mais ou menos isto: " Quero que saiba que gosto muito de si e que nada do que se passou irá alterar isso. Pus umas flores na campa do meu marido em seu nome e todos os dias rezo à Nossa Senhora para que olhe por si e para que encontre tudo o que procura".
Mulher extraordinária, como era capaz de me dizer isto depois de tudo o que os fiz sofrer? E, embora sinta que não mereço tamanha generosidade, sinto uma enorme gratidão e uma alegria interior reconfortantes.
A partir de então voltámos a ver-nos regularmente.
Hoje Ti Rosa, já quase com 90 anos, vive num lar da margem sul. Visito-a de vez em quando e nunca falho o seu aniversário e as festas de Natal. Há amizades que são redentoras e há afectos que nunca se apagam. E há também pessoas extraordinárias. Pessoas que sem nunca terem ido à escola aprenderam a ler e a escrever e, sobretudo, a amar.
21 comentários:
Laços para a vida...
Magnífica imagem a ilustrar esta amizade nascida da simplicidade...
*
Parabéns! Acho extraordinário esta confissão! Mais que contar, este é um transbordar do testemunho do que deveria ser a aceitação da Pessoa. Acho que a "sogra" é uma mulher feliz com a nora que teve!
Assim vale a pena ser Pessoa, assim vale a pena "envelhecer"
Só para desejar uma boa semana que se avizinha.
Um abraço
Uma boa história e mais um mito que cai. As pessoas são boas ou más, independentemente dos laços de parentesco.
Abraço do Zé
Admiro a sua escrita notável e a forma como aqui demonstra e expressa a sua forma de ser e a capacidade de ser alguém especial.
Grandioso texto...
Parabéns pela sinceridade da confissão e permite-me igual sinceridade: não vás só vê-la nos anos e no Natal.Enquanto puderes vai desfrutar da companhia desse ser humano que te adoptou...estou à frente duma Instituição de idosos e sei do que falo...parabéns mais uma vez...
Olá amiga!
Grande lição de vida! Muito emocionante, os sentimentos do ser humano são muito fortes e neste caso muito positivos. PARABÉNS!
Obrigada pela visita ao meu cantinho, volta sempre...eu vou voltar mais vezes...
:-) Beijinhos
Texto realista e de uma sensibilidade que atinge todos os corações.
Parabéns pela forma desassombrada com que transmitiu e partilhou este tema.
Saudações amigas
Mais uma prova que a separação não tem que ser total e que se podem separar as águas o amor e a amizade tem destas coisas , gostei do texto.
JOY
QUINTARANTINO
Quase todas as pessoas são especiais desde que desenvolvam e não deixem morrer as suas "especialidades".
AMIGONA
Como estás à frente de um lar na margem sul não sei se identificaste a protagonista. Em qualquer dos casos quero dizer-te que a "Ti Rosa" é visitada diariamente por uma das filhas e com assuidade por outra. Elas moram perto e eu a mais de 100 Km. E tenho outras "guerras". Mas vou quando posso.
JOY
A separação nunca tem que ser total. Nada que mais me deprima que ver casais que depois de uma vivência em comum, por vezes com filhos, desatem a agredir-se e a enxovalhar-se quando se separam. Até há quem chegue a ir separar garfos e facas para os tribunais. Há várias espécies de amor e de amizade e, como dizes, devemos saber separar as águas. E sobretudo respeitar e ser solidário com aqueles que em determinada altura fizeram parte da nossa vida.
A separação é sempre um processo doloroso, sim... e o digo por experiência própria. Mas, como vês, em tudo na vida temos ganhos... como o de conhecer pessoas maravilhosas! :)
De facto.... há pessoas fantasticas, não há?!?! :)
Beijooo
Até já!**
que momento q aqui me deste... sério... n sei bem explicar... bj
Amiga, isso prova que há pessoas que são eternas, eternas na maneira de ser e a "Tia" é uma delas. Apesar do sentimento provocado pala ruptura causada viram em ti características especiais e guardaram-nas bem nos seus corações. Apesar de não corresponderes na altura por sentimentos de defesa, procuras-te agora rectificar. Antes agora e tarde do que nunca. Pessoas como a "Tia" já não se usam...ainda bem que podes ter uma amiga para sempre. Ainda bem que alguém quebrou a barreira. Ainda bem que tens tempo para recuperar o que perdeste. No meu caso não foi assim...
Ninho de cuco...venho retribuir tua visita a meu canto...brigadinha.
Belo texto..voltarei com mais calma para ler os outros.
Bjim
boa semana!
excelente foto!
Olá amiga Cuca, muito feliz venho participar a você que seu blog e você são membros fundadores do projeto S.O.S Miséria. Façamos uma corrente dandos as mãos e colocando todo o nosso carinho neste trabalho. Parabens ! Preciso urgente do teu email. Com beijinho de Alda.
realmente não são os saberes que ensinam a amar, talvez um coração grande tenha mais espaço para olhar o mundo com mais ternura.
Cara amiga , feliz de si ue tee um divorcio quase normal e gente civilizada à sua volta.
fico feliz por si .
Gostei da sua historia fiquei com um nó na garganta ...não contava com uma coisa destas quando iniciei a leitura .
Vim cá ter pelo comentario que deixou no "notas soltas..." que tb gostei .
Feicidades e bem haja
Beijão grande
Esta noite desceu seu manto, nos lagos emerge uma incontida força, ouve-se o murmúrio das flores, acontece a magia…
Boa semana
Doce beijo
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