
Segurou a esferográfica com toda a força e a tal ponto que, se a mesma não fosse de metal resistente, teria acabado por se partir. No trabalho tinham-lhe ordenado que fizesse parte de um júri de selecção que incluiria e excluiria concorrentes segundo critérios, pouco transparentes, de conveniência. Ela sempre se orgulhara do seu perfil de mulher recta, a procurar as soluções mais justas, e aquela imposição era como uma faca que lhe apontavam ao peito.
Se recusasse era o fim da sua carreira e tinha um filho para criar. Talvez significasse também perder o homem que amava. E ela por estes dois era capaz de tudo. A luta interior era muito forte, os dedos apertaram com mais força ainda a esferográfica e ela pôs a sua assinatura.
Um vento frio passou-lhe por cima e acompanhou-a durante vários anos. Anos em que se inscreveu num partido, que nada lhe dizia, porque o companheiro foi servindo de mediador entre ela e um outro lado das coisas. E assim foi singrando na carreira, criando o filho e afastando-se de si própria.
Mas um dia decidiu partir a caneta antes de voltar a pôr outra assinatura. Há sempre um dia e há sempre uma gota de água. Talvez não fosse mais importante aquela que foi mas foi aquela.
Saiu para a rua e andou várias horas meditando. No dia seguinte foi ao partido e entregou o cartão, foi à empresa e negociou a saída e, finalmente, disse adeus ao homem que amava. Foi de tudo o mais difícil mas ela preferiu levar o resto da vida a procurá-lo, dentro de si própria, que continuar a existir na servidão.
O céu ficou mais límpido e, só então, se apercebeu que ainda havia estrelas mesmo que as lágrimas lhe caíssem e estivesse sozinha.
23 comentários:
A explosão acontece quando menos se espera. A nossa consciência também tem limites de tolerância, assim tenhamos coluna vertebral.
Abraço do Zé
Olá, ninho de cuco, que belo texto e uma foto lindíssima.
Adorei a tua postagem!
Boa semana,
muitos beijinhos!
Fernandinha
Cumprimentos, antes de mais
Conheço uma história igual e veridica, só que o copo ainda não entornou, mas está quase .
Um abraço .....
Bonita narrativa :)
Afinal.... nunca é tarde... e por vezes temos que abdicar do que mais amamos...
Beijooo
Até já!**
Venho buscar-te para a minha lista "Amantedasleituras" através do convite da yahoo que vais receber.
volto!
Não tens o endereço do email visivel, hihihi.
Bem se tens curiosidade em conhecer a lista, diz!
abraços
Onde eu trabalho é mais fácil... o júri é sempre escolhido a dedo... assim não se partem canetas... e o número das vagas abrem-se em função do número dos candidatos que já sabem que... está no papo. Olarila.
QUINTARANTINO, a tua empresa é mais frontal mas eu dou-te mais uma dica. Os concorrentes podem também ser fornecedores e fornecedores de peso. Faz mais sentido?
-Belo texto, no mundo actual tudo e todos tem(os) um preço, mas chega sempre o dia em que dizemos basta! A questão é com que idade o dizemos, sendo que conseguimos ser mais felizes quanto mais jovens o conseguirmos dizer.
Belíssimo texto... de facto existem alturas em que apetece mandar tudo ao ar e lutar...enquanto existirem os meus moinhos de vento lutarei...
Por o vezes o tempo é um professor. Aquilo que não aprendemos antes mais tarde pode ser a solução para os nossos problemas. o que é certo é que nunca é tarde para aprender e aquilo que não demos atenção no passado podemos sempre dar no futuro. Foi o que fizeste. A vida é uma aprendizagem muito grande. Há certos ensinamentos que nos passam muitas vezes em teoria mas o que conta é a prática. e tu tiveste a tua. Podias ter feito melhor? De outra forma? Talvez... O que importa não é o arrependimento pelo que fizeste, mas sim por aquilo que não fazes. O certo é que fizeste a Mudança e assim não há arrependimento. Tudo é uma passagem e nós temos de marcar a nossa. Gostei da Auto-biografia. Beijos e bem hajas!
Ninho de Cuco: a minha empresa é... uma autarquia! Faz sentido?
e fez ela muito nem!
ou bem que temos princípios ou então somos uns vendidos!
boa semana!
É uma história de liberdade!!!!
Há sempre um momeno de decisão nos corações das pessoas de bem. Muito bom texto, parabens amiga, abraço Alda
Bonito, gostei :)
Ainda eu: voltei para dizer-te, eu coloquei um "messenger" no meu blog, quando passares por lá tente experimentar, pois ainda não testei, não sei se funciona. Ele é para os visitantes falarem entre si. Mais um abraço, Alda
interessante.. talvez seja mais comum do que parece, quero dizer, não partir a caneta...
compreendo bem demais essa vivência e sei que partir a louça tem consequências...mas, largar uma saca de batatas das costas tambem foi um prémio.
Olha Ninho de Cuco, não leves a mal mas eu, de vez enquando, dá-me para animar a malta. Eu apertava também muita caneta e pensei resolver o problema adquirindo um computador, conclusão: já vou no terceiro teclado!
Não tarda muito andarei alimentado a sandes, já parti a loiça quase toda.
Um abraço solidário
Eu também parti a caneta, alguns anos eu estava num sitio em que via coisas...
Penso mesmo que, infelizmente , há muitas pessoas assim. Que se deixaram toda a vida mover sem vontade própria, incapazes de dizer não no momento mais oportuno. Estão sempre à espera do que há-de vir, do que hão-de fazer, de arranjarem forças para lutarem contra tudo aquilo que realmente não querem ou não gostam.
Devemos agir conforme a nossa vontade e o nosso pensamento. Nunca por influência dos outros. Somos mais felizes, muitas vezes, sózinhos, que sentirmos uma solidão acompanhada.
boa semana
Mesmo na noite mais triste
em tempo de servidão
há sempre alguém que resiste
há sempre alguém que diz não.
CANTAR A LIBERDADE
«Trova do Vento que Passa»
Adorei ler-te!!! Admirável atitude a da protagonista da tua estória!
Bom fim de semana
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