quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

AS RAÍZES DE ALEX

Alex nasceu no dia 1 de Abril faz, no próximo, 15 anos. Filho duma parente que caiu no mundo da droga, ele viu pela primeira vez a luz do dia numa fase da minha vida algo conturbada. Depois do divórcio, e duma nova paixão, juntaram-se-me outras solicitações impostas pela nova vida.
Confesso, também, que já estava cansada de socorrer a infeliz criatura mãe dele que me inspirava sentimentos que iam da compaixão à revolta e mesmo de alguma falta de paciência.
Várias vezes acorri em situações extremas para a ir resgatar à polícia. Ou ao hospital, após várias tentativas de suicídio. Mas, sinceramente, achava que tinha chegado ao meu limite. Por isso, e por mais que insistissem comigo para ir ver o Alex, decidi que não ia e pus um ponto final no assunto. O Alex viveu, até aos 4 anos, entre a segurança social e os pais drogados.
É nesta fase que a mãe tenta, mais uma vez, o suicídio atirando-se com o carro duma falésia donde, aparentemente, seria impossível sobreviver. Mas os milagres acontecem e, embora esfacelada, a Xana não morreu. Porém, quando o helicóptero a resgata, ela pede que me contactem para que eu lhe olhe pelo filho.
Foi então que vi o Alex pela primeira vez. Era magrito mas tinha um ar adulto e compenetrado. Olha para mim, como a pedir-me desculpa de estar vivo, e eu sinto o coração apertar-se-me. Convido-o a ir ao Parque das Nações e procuro distraí-lo. Alex segura-me a mão, olha tudo com olhos gulosos, mas nada pede. Nunca está cansado, nunca tem fome, nunca tem sede, não precisa ir ao WC. A sua mão aperta a minha com mais força e pergunta constantemente: eu não te aborreço? não estás cansada de mim?
Porém aos poucos, e depois deste passeio, Alex começa a sentir-se seguro. Já não se contenta com 2 voltas do carrocel e insiste sempre noutra e mais noutra. Era altura de começar a pôr regras para não passarmos do 8 ao 80. Cada vez que saíamos eram duas voltas de carrocel e outros mimos, mas tudo com conta peso e medida. Tal como sempre fiz com o meu filho.
Quando me separei do Joaquim, Alex veio viver comigo definitivamente. A mãe fora mais uma vez internada e eu e ele começámos uma vida nova. Sempre bem disposto e acatando tudo o que lhe dizia, depressa se revelou um excelente estudante, um óptimo companheiro e uma criança aparentemente feliz e bem integrada.
Tudo o que eu lhe dissesse era sagrado. A confiança em mim era ilimitada. Por sua vez ele deu-me um sentido à vida como nunca teria imaginado. Rejuvenesci a brincar e a estudar com ele e a interessar-me por aquele mundo juvenil rico e matizado.
Falávamos sobre o pai e a mãe de forma natural procurando eu sempre explicar-lhe que eles o amavam só que tinham enveredado por uma vida em que não era possível tê-lo com eles.
Alex ouvia e ficava pensativo. E quando se lhe perguntava o que queria ser um dia mais tarde, ele respondia que queria ter uma profissão em que ganhasse muito dinheiro porque precisava ajudar a mãe.
Também no dia da mãe Alex fazia, ou comprava, duas pequenas lembranças: uma para mim e outra para a mãe. A da mãe ficava sempre no quarto dele até uma oportunidade. E o Alex sentia que a mãe não estava perdida porque ele tinha uma prenda para ela.
Quando o Alex fazia anos, ou pelo Natal, eu pedia-lhe que fizesse uma lista do que pretendia e dos respectivos preços. Feita a soma dava-lhe um cartão carregado com um pouco menos dinheiro que a soma da totalidade dos bens pretendidos. Pretendia com isso obrigá-lo a fazer contas e opções. E Alex fazia. Escrupulosamente. Uma vez, baixando a qualidade de alguns dos bens a adquirir, conseguiu comprar tudo e ainda me devolveu algum dinheiro.
Num Natal, há cerca de 3 anos, depois de eu carregar o cartão como era costume, Alex, com o olhar baixo e a voz sumida, pergunta se não poderia ficar com o dinheiro que não gastasse. Explicou-me que até preferia não comprar nada e ficar com o dinheiro todo para dar à mãe que estava a dormir no Casal Ventoso. Expliquei-lhe que não adiantaria dar dinheiro à mãe mas que poderia ajudá-la convencendo-a a tratar-se.
Xana olha para mim como quem olha para um mundo vazio e desconhecido. Insisto em arrancá-la dali mas ela faz-me ver que não há mundo lá fora nem amanhã para ela. Que perdeu tudo, que não tem nada por que lutar.
- Tens o teu filho - argumento sem forças.
- Mas o meu filho já não é meu, é teu, responde em prantos. E eu quero que continue a ser teu porque está melhor contigo do que comigo.
Então eu conto-lhe como o Alex a tem acompanhado e como espera poder ajudá-la um dia. E uma luz começa a brilhar-lhe nos olhos cansados.
Alex e Xana estão juntos há dois anos. Eu acompanho o relacionamento dos dois e orgulho-me de vê-la trabalhar na indústria hoteleira até à exaustão, para dar ao Alex tudo o que pode com o dinheiro dela. Recordo-me que, quando comprou o primeiro presente ao Alex, de me ter dito que teve vontade de dizer na rua, a cada transeunte que passava:
- vêem aquele garoto? É meu filho e aquele fato de treino que ele leva fui eu que o comprei.
Contudo devo confessar que sinto uma saudade enorme de ter o Alex comigo. Olho o quarto dele, que se mantém intacto, e sinto o seu vazio. Alex sabe que aquele quarto está sempre pronto a recebê-lo mas nunca me falou nisso e ainda bem. Recebi hoje uma carta do Tribunal de Menores para a audiência marcada para 13 de Março.
É quase Primavera e logo estará a chegar novamente o dia 1 de Abril em que terei que carregar o cartão do Alex.
A vida continua.

24 comentários:

António de Almeida disse...

-Sem comentários, vou acompanhando a história!

amigona avó e a neta princesa disse...

Há momentos da nossa vida em que as palavras não dão jeito! Há momentos tais que o silêncio parece ser a melhor opção! Muito obrigada, minha amiga...pela história real que nos mostra a mulher generosa e solidária que és!
Eu sei querida...sei...e como tu fico assim com um nó na garganta...mas também na alma...obrigada por estares ao pé de mim, obrigada por seres minha amiga,obrigada por seres como és...eu sou muito mais feliz porque te conheci...obrigada...e deixa que deixe um beijo comovido...

amigona avó e a neta princesa disse...

Tornei a passar para reler...comoveu-me novamente...queria dizer-te, amiga, que faria o mesmo que tu fizeste...aí o lugar do Alex é junto da mãe, não tenho qualquer dúvida...assim ela consiga continuar o caminho da Vida...sei também que no seu coração tu serás AQUELA! O porto de abrigo, a amiga, a confidente...muito obrigada por teres partilhado connosco este pedacinho de vida...muito obrigada por seres minha amiga...beijo...

SILÊNCIO CULPADO disse...

Amigona
As pessoas têm raízes que não podemos cortar formatando-lhes a cabeça para que aceitem uma situação e não aceitem outra. Pior ainda quando denegrimos "o outro lado" para que eles possam ficar connosco.Era fácil pôr o Alex contra o pai e a mãe. Só que ele seria o grande prejudicado.

São disse...

ÉS UMA TERNURA!
Que vivência linda e que capacidade de dar!!
São pessoas como tu (ou Amigona) que ños dão esperança num melhor mundo!

UM abraço muito grande, querida Lídia!

Teu mais que tudo disse...

Este texto riquissímo de conteúdo e de significado humano, revela que é sempre possível alguém arripiar caminho. Apesar da degradação a que chegou a mãe do Alex ainda foi capaz de lutar por ele. Muitas pessoas não conseguem sair da lama porque ninguém acredita nelas nem lhes dá oportunidades. Diga-se em abono da verdade que é preciso uma grande paciência para insistir em casos como o descrito mas valeu a pena e a autora do texto tem todos os motivos para se sentir orgulhosa embora imagine a mágoa ao abrir mão duma criança que amou e educou.E esse Alex é um jovem espectacular que aceita ir para junto da mãe possivelmente abdicando duma vida mais confortável materialmente.

São disse...

Gostaria que passasses por lá, sim?
Muitos abraços, querida.

Zé Povinho disse...

Fazer o bem, mais cedo ou mais tarde será recompensado. Não falo das coisas materiais, mas do que realmente importa.
Abraço do Zé

quintarantino disse...

Eu sempre soube que tens uma alma do tamanho do mundo!

Isamar disse...

Os teus posts são riquíssimos de conteúdo, de afectos, de sentires...
Li este até ao fim com muita dificuldade.Tudo quanto aqui descreves, eu vivi. Até há poucos anos. Ele não se chama Alex e ela já cá não está. Derrapagens na vida cujo preço é tão alto que acabam por ser pagas com a própria vida. Deixou um vazio muito grande em quem a acompanhou apesar das dores por que passámos ao longo de anos. Jamais esquecerei aquele percurso sinuoso que tanto a fez sofrer e nos fez sofrer.
É com as lágrimas a cair que te deixo um beijo muito grande e um abraço apertado. O Alex está com quem o pôs neste mundo mas um anjo bom está ao seu lado.
Bem hajas!

Kalinka disse...

Hoje, convido-te para vires ter comigo e COMEMORAR...

MAS...também...
a minha sobrinha é uma jovem de 25 anos, por isso, peço desculpas, mas sinto que devo colaborar, e faço este pedido:
Não é meu hábito andar a incomodar pedindo favores, mas tendo em atenção a situação da m/sobrinha, que aguarda a todo o momento um «transplante de coração» se puder vá ao blog dela e, responda ao questionário sobre «grupo sanguíneo» ela está a fazer uma sondagem que é muito importante para ela:
http://pikenatonta.blogspot.com/

Qual é o seu tipo de sangue?
Ou seja:
Se seu sangue contém Rh+ você pode receber de Rh+ e Rh-;
Se seu sangue contém Rh- você só pode receber de Rh-;
PS - Coloquei uma sondagem no blog. Agradecia a TODOS que pudessem responder pois não custa nada... MUITO OBRIGADA!!!!!

Beijo c/pitada de Esperança.

*Um Momento* disse...

De lágrimas nos olhos...
Bem Hajas...
Bem haja o Alex que também com o seu Amor ajudou a mãe...
Estou sem palavras
Abraço muito forte e desejo eu que tudo continue a correr da melhor forma para a xana,para ti e para o Alex...

...
(*)

avelaneiraflorida disse...

E este Alex será um ser humano excelente!!!!
Que a vida lhe SORRIA!
Bjkas!!!

José Lopes disse...

O carinho e as regras mostradas ao Alex, talvez tenham contribuido muito para que ele próprio viesse a ser a grande motivação da própria mãe na recuperação, que felizmente terá acontecido.
Mais uma agradável surpresa.
Cumps

Compadre Alentejano disse...

Eu sou da opinião do Quintarantino, deves ter uma alma do tamanho do mundo.
A minha homenagem.
Um abraço
Compadre Alentejano

amigona avó e a neta princesa disse...

Só um abraço amiga...

Laurentina disse...

Estou tao emocionada que quase nem vejo as teclas...
Palavras para quê?
Quanta riqueza humana.
E o Alex menino/homem que não abandona a Mãe e quer ir viver com ela para que esta resurja e sinta que a vida tem todo sentido.

Sente-te abraçada minha querida
beijão

Tiago R Cardoso disse...

Mais uma vez fascinaste-me com tua generosidade e tão grande alma...

Bichodeconta disse...

Vou tentar acompanhar de perto os meandros da história..parabéns..um abraço, ell

Sei que existes disse...

Nem sei bem o que dizer... És uma pessoa magnifica! O bem que fizeste e continuas a fazer não tem preço!
Beijo muito grande e felicidades para todos vós

Luiz Santilli Jr disse...

Agradeço seus votos de boas férias!

A um aposentado como eu, soa meio falso falar em férias!!
Mas aos 66 e só, ficamos ao sabor das decisões dos filhos, genro e nora, quanto ao nosso destino.
Por exemplo, um grande amigo que vai conosco me perguntou gentilmente que dia eu iria. Acho que estava pensando em me levar junto. Respondi-lhe: "vou no dia que for para ir!"
Sei eu lá o que se passa na cabeça dos meu filhos quanto a dia e hora de viajarmos?
Abraço e vou linkar esse blog em BOA LEITURA

JOY disse...

Amiga tu não existes !

JOY

Nuno Raimundo disse...

Soltou-se uma lágrima a ler este texto...

Bjs

DS disse...

Tens uma forma definitivamente humana de contar histórias de vidas.
São temas lindíssimos, que nos fazem dar valor tanto as pequenas coisas como as grandes.
Beijos!