segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

O SENTIDO DA VIDA

Todos nós procuramos o sentido da vida porque, só com esse sentido, a vida não é morte. Eu acreditava ter encontrado o meu numa vida tranquila e sem grandes sobressaltos. Uma vida que não correspondia ao meu espírito inquieto mas que, nem por isso, deixava de ser vida. Porque mesmo na tranquilidade dos dias eu buscava o turbilhão das coisas e espraiava-me na imaginação, no trabalho, nos livros e nos desafios pequeninos.
Tudo parecia ir bem se o destino não conjurasse pregar-me uma partida. Porque só podia ser uma partida do destino que fez com que o meu administrador adoecesse e não pudesse ir a uma reunião inadiável com o secretário de estado. E, por coincidência, o meu director também não pôde substituí-lo porque tinha um compromisso inadiável. E também, por coincidência, tive que ir eu, única que restava conhecedora dos dossiers. E da soma destas coincidências resultou que encontrasse o homem da minha vida. Se alguém me preconizasse tal acontecimento teria rido a bandeiras despregadas. Com quase 40 anos apaixonar-me à primeira vista parecia coisa de loucos. Mas foi o que aconteceu. E o pior que tudo é que foi recíproco. Por mais que quiséssemos travar os acontecimentos eles sobrepunham-se a tudo, inclusive à nossa vontade, se é que ela existia.
Desde o nosso primeiro encontro de trabalho que o Joaquim não parava de me telefonar, de me convidar para um café ou para almoçar. E fazia-o à luz do dia, com todo o avontade, em frente de toda a gente. Eu vivia nos ares mas, o que restava da minha lucidez, aconselhava-me a que devia pôr um travão nos acontecimentos. Era casada, tinha um filho crescido, tinha uma vida sem grandes sobressaltos e sem grandes emoções. Romper com tudo não deixava de ser assustador, mesmo para uma pessoa como eu.
Mas o destino não me deixou parar. Esse destino, em que eu nunca acreditei.
O Joaquim tinha um congresso na Suíça e, enquanto no self service eu aguardava o pagamento na caixa, ia meditando no que devia dizer-lhe quando regressasse. Depois de muito matutar, conclui que o melhor seria mesmo ir directa ao assunto e dizer-lhe que era melhor não nos encontrarmos a não ser por questões de trabalho. E, enquanto assim pensava, senti que alguém me tirava das mãos o tabuleiro do almoço depois de eu o ter pago. Voltei-me surpreendida ao deparar com o Joaquim:
- Não devias estar na Suíça? pergunto.
- Perdi o avião, responde. - Reservei uma mesa para nós no restaurante ao lado, acrescenta.
- Não posso acreditar! E que faço eu ao meu almoço que já paguei?
- Ofereces a alguém que ainda não tenha pago.
E, com o maior desplante, ofereceu o tabuleiro a alguém da fila e segura-me no braço em direcção à porta.
Sentados, num canto tranquilo do outro restaurante, interpelo-o:
- Tu não perdeste avião nenhum. Não quiseste apanhar o avião para vires ter comigo.
O ar fica tenso e ele não nega.
- Não podemos continuar com este comportamento de adolescentes. O que estamos a fazer é uma autêntica loucura.
- Porquê?
- Porque somos ambos casados, temos as nossas vidas. Poderás não ter um bom casamento, eu também não tenho mas nunca fui infiel.
Ele olha-me intensamente e a voz sai lenta e arrastada.
- Casei, ainda novo, mas o casamento até correu bem. Nunca tive uma aventura. Mas isto é diferente e também não é uma aventura.
Os olhos enchem-se de lágrimas quando acrescenta:
- Pede-me tudo o que quiseres e eu faço. Mas não me peças que não te procure porque.... eu não consigo!
Era curta a distância para os seus braços e também curta a distância das palavras que se seguiram:
- Eu também não!
E foi assim que rompemos com vidas já cristalizadas, que enfrentámos mares e tempestades, que nos divorciámos que nos amámos e que passamos a viver juntos.
O amor faz milagres de aproximação mesmo quando as distâncias parecem intransponíveis. E, por vezes, torna igual aquilo que é diferente num exercício enganador para se sustentar.
Às vezes ao olhar o Joaquim quando andávamos à beira-mar ou quando explorávamos campos e matagais e o via feliz e descontraído, quase achava que ele era como eu. Outras vezes era eu que era como ele quando ficava com o mesmo ar quando o acompanhava nos eventos sociais.
Porém essa similitude era obra do acaso e do momento. Ele continuava a ser o homem ambicioso que queria ir mais além na política e nos futuros cargos. E eu continuava a ser a garota rebelde que, aos 10 anos, fugiu numa caravana de saltimbancos para correr mundo.
O mundo do Joaquim era o meu anti-mundo. Trazê-lo ao meu era também matá-lo. Sempre atento às minhas reacções a ele não passava despercebida a minha luta interior. E, também ele, ficava dividido e atormentado. Procurava oferecer-me prendas que sabia que eu gostava. E eu procurava ser o que ele queria que eu fosse sem exigir nada. Sim, porque eu sabia que não havia meios termos. Aquilo que nos aproximou, essa capacidade imensa que nós tínhamos de jogar tudo por tudo e de não nos contentarmos com meias partes, também haveria de nos separar. E aquele que partiria seria aquele que mais abdicasse. E eu queria ser eu a partir.
Vivemos intensamente com a certeza que os momentos seriam talvez breves. Duraram 6 anos. Até eu ter coragem para partir e ele ter coragem para não chorar.
Cheguei à minha casa num dia de Primavera e reparei que, no meu pequeno jardim, desabrocharam uns malmequeres amarelos. Sentei-me no chão, junto às flores, e chorei. Foi então que o Alex, um pequeno vizinho de 7 anos, a quem eu dava apoio por os pais serem toxicodependentes, se chegou a mim e me olha surpreendido.
- O que te aconteceu? O teu marido fez-te mal?
- Já não tenho marido, respondi.
- Assim como o meu pai e a minha mãe?
- Mais ou menos assim, Alex.
Fica pensativo durante um momento e acrescenta:
- Eu podia ser teu namorado mas ainda sou um bocado pequeno.
- Oh Alex como é que eu nunca me lembrei disso? E abraço-o.
Sorrio e vejo uma nesga de céu por entre as nuvens.

31 comentários:

Laurentina disse...

AMEI, AMEI , AMEI.
Ainda tenho os pelos de pé...
Esta quase parece a minha história...estou a escrever as minhas memórias.
Um dia coloco-a no blog.

Boa semana para ti
Beijão muito grande

amigona avó e a neta princesa disse...

Só consigo deixar um abraço...se precisares serve-te...beijo...

Rafeiro Perfumado disse...

Nitidamente uma história sem ser à americana, em que são sempre felizes para sempre.

É preciso coragem para quebrar com toda uma vida, com algo que temos seguro e confortável e irmos atrás dos nossos instintos. Mas não será isso que é verdadeiramente viver?

Lindo texto, parabéns.

quintarantino disse...

Nem sempre conseguimos segurar aquele momento, aquele vislumbre de felicidade.

Mas mesmo assim, vale a pena apostar em vivê-lo intensamente.

Apreciei o final.

Rui Caetano disse...

O sentido da vida está no interior de nós, mas temos que o despertar e traçar um rumo com as nossas convicções, vontades e sonhos.

Anónimo disse...

As tuas histórias são o que dizes...

"Todos nós procuramos o sentido da vida porque, só com esse sentido, a vida não é morte."

Mas sim ter a capacidade de viver em consciência, que com descreves em todo o teu texto e finalizas de um modo brilhante...

"- Oh Alex como é que eu nunca me lembrei disso? E abraço-o. Sorrio e vejo uma nesga de céu por entre as nuvens."

Que essa Luz que ilumina a Tua Vida te acompanhe sempre, minha amiga.
Carpe Diem...

Alma Nova ® disse...

Minha amiga, viver verdadeiramente a vida é tudo isso e muito mais que esteja ainda por chegar. O amor é assim mesmo, chega sem avisar e tem força de leão, arrasava montanhas e ultrapassa precipícios. Sem ele nada tem o menor sentido. Há que vivê-lo, intensamente, a cada momento, dure o tempo (físico) que durar, ele fica para sempre presente em nós.
Dar sentido à vida não é mais do que senti-la a cada instante e deixar que a sua Luz nos ilumine.

Tiago R Cardoso disse...

Como sempre excelente momento, sempre a deixar-me com uma vontade enorme de ler mais..

JOY disse...

Gosto da tua escrita e das tuas histórias ,porque nalgum momento nos identificamos com elas .

Beijinho
Joy

António de Almeida disse...

-Continuo a gostar do livro. Pena que não posso ler mais umas páginas, resta-me aguardar!

Isamar disse...

Lindoooooooooo!!!! Tu escreves com
paixão, amor, amizade... tu transplantas os afectos de uma forma tão cuidada que acabo com lágrimas nos olhos. Deus meu!

Vou reler!

Beijinhossss

Manuel Veiga disse...

uma "estória" bem contada. um prazer ler-(te)...

Kalinka disse...

Descobri-te e gostei de ler:
O sentido da Vida.
Fabulosa descrição.

Bem, o kalinka começa o Ano com regras, novidades, promessas, novas rubricas...enfim...há que mudar e inovar.
Fotos da minha autoria também.
Este fim de semana nem tive tempo para respirar, pois é o que acontece quando a cota pensa em (re)começar a estudar...o que será que isto vai dar?
Trabalho inicial que me deu cabo da cabeça, dos olhos, de tudo, mas aqui estou pronta para continuar.

Beijos c/pitada de Esperança

Bichodeconta disse...

É assim a vida na maioria dos casos, feita de encantos e desencantos..Há que saber gerir cada um a seu tempo...Um abraço, ell

AJB - martelo disse...

eu costumo dizer que a Felicidade é uma coisa de vez em quando...
mas, é preciso saber gostar.
bj

notyet disse...

Olha que nem todos lhe procuram o sentido.
Há os que aceitaram que o sentido é o seu aparente sem sentido.

notyet disse...

Olha que nem todos lhe procuram o sentido.
Há os que aceitaram que o sentido é o seu aparente sem sentido.

notyet disse...

Olha que nem todos lhe procuram o sentido.
Há os que aceitaram que o sentido é o seu aparente sem sentido.

notyet disse...

Venho pedir desculpa do comentário repetido. Por favor corta. Fica bem

São disse...

Gostei muito do texto, mas muito...
Abraço.

Pata Negra disse...

A vida é única demais para só amarmos uma vez, para vivermos sempre no mesmo sítio, para termos sempre o mesmo trabalho, para irmos sempre ao mesmo café - a mim felizmente tem-me acontecido isso tudo, sou um pacato!...
Ninho tens uma solução: amar outra vez.
Um abraço amigo

avelaneiraflorida disse...

UM SENTIDO IMENSO DE VIDA!!!!
Continuo a ler...

Bjkas!!!

MIMO-TE disse...

Li sem parar, ou mesmo sem pestanejar. Tão interessante! Encontro aqui vários factos que me deixam a pensar. Tál como eu também não te consegues acomodar, mesmo querendo :) Mas mulheres como tu e eu não conseguem viver com alguem que não lhes permita ser elas proprias. :) Dá que pensar!

Bjo
mimo-te

DS disse...

Os momentos de amor são como pérolas que transportamos no nosso coração. Vale sempre a pena!
Beijinhos!

amigona avó e a neta princesa disse...

Não percebo se reparaste que te deixei também um prémio a ti...beijo...

FERNANDA & SONETOS disse...

Olá Querida Amiga, adorei o teu texto!
Belíssimo!!!!!!!!!!!!!
Um beijinho de boa noite, com muito carinho.
Fernandinha

amigona avó e a neta princesa disse...

Pois agora sou eu que peço desculpa...já sei o que aconteceu!Estava a escrever o post e pensando que o teu endereço era ninhodecuco foi o que escrevi e foi parar ao outro!!! Mas era a ti que eu queria nomear!Beijo...

conchita disse...

Admiro as pessoas que têm coragem para seguir os seus sonhos, mesmos que esses sonhos mais tarde não sejam côr de rosa, pelo menos tentaram!
Um bom fim de semana!!

turbolenta disse...

Quer este texto seja uma parte de ti , ou inventado, a mim pouco me importa.
O que me interessa é que é um belo texto,que descreve ,com exactidão,uma situação de paixão,(que muita gente nunca viveu).
Se todas as pessoas tivessem passado, ao menos 1 vez na vida, por idêntica situação, tenho a certeza que depois,acontecesse o que acontecesse, essas pessoas sentir-se-iam, apesar de tudo, muito contentes, pois teriam sido, ao menos, felizes uma vez na vida.
Ao contrário de muita gente, eu acredito no amor à primeira vista,aquele que é bem capaz de gerar grandes e duradoiras paixões.
Parabéns por estes momentos de leitura.
bom fim de semana

zé lérias (?) disse...

Resto de bom fim-de-semana.
Abraço

notyet disse...

Hoje volto aqui para agradecer as tuas visitas ao meu sitio.
Tentei no silencio culpado sem conseguir entrar.
Serenidade e luz.